sexta-feira, 6 de julho de 2007

Minha história




Como tudo começou

Há alguns anos atrás, fui convidado pelo Produtor de cinema Elson Rosário, para fazer uma viagem como motorista para uma produção do Cineasta português Monoel de Oliveira, para o filme "Palavra e Utopia". Pensei que na minha volta após receber o pagamento pela viagem até Banzaê, numa reserva indígena dos índios Kirirís, estaria acabado a minha história de produção, e eu voltaria a minha vida normal de gente normal. Salvo engano, uma semana depois fui chamado pelo mesmo produtor para uma segunda viagem, agora de segurança da produtora Débora Macedo que iria buscar 50 índios para realizarem cenas do filme em Salvador.
Às 4:30 da manhã começamos a formar uma fila dos índios (só homens, eles não permitem a saídas das mulheres) e começamos a colocar o "povo" no interior do ónibus. Tudo pronto para a viagem, saímos em marcha-ré de uma rua super-apertada e eu fui guiando o motorista. Beleza, quando numa manobra em uma rua paralela, nosso amigo "pintado" motorista do ónibus alugado para a ocasião, virou a esquerda, e eu do lado direito fui falando, "vem, vem, vem, vem vê o que tu fez, atolou o ónibus. Tinha areia tipo de praia, sabe? Imaginem!
Foi uma correria. Isso às 6:00 da manhã. Às 11:00 estava marcada a primeira gravação do dia com os índios na locação.
Minha colega Débora Macedo, pegou uma bicicleta emprestada de um índio que ia para a "roça" trabalhar, e seguiu estrada afora, não sei exatamente atrás de que. Acho que de um trator para "puxar" o busu.
Pintado e eu começamos a cavar um buraco na frente dos pneus traseiros do ónibus para colocarmos pedras e tentar desatolar o bicho. Primeira tentativa, e nada, afundou mais! segunda tentativa e nada, afundou mais um pouco. Daí, eu olhei para o lado e os 50 índios estavam de braços cruzados em uma fileira olhando para pintado e eu nos acabarmos para desatolar o ónibus. Há, não prestou não! eu dei um grito, "rebanho de pesos mortos, vocês estão ganhando 50,00 cada um para fazer este filme, se nós não chegarmos às 11:00 em Salvador, vocês não vão ver nem a cor deste dinheiro", mas não deu um minuto, e apareceu, porta, pedra, pedaço de pia, saco de cimento. Este foi o pior, saco de cimento. Colocaram tudo dentro do buraco e pintado deu partida, e eu, começei a rezar, porque o tanto que já estava atolado, com o cimento ia virar um mar de lama. Mas acho que tinha alguém ouvindo minhas orações. Na primeira arrancada, o bicho não saiu do lugar, na segunda ele deu um pulo em cima da porta e do saco de cimento e se mandou!
O povo entrou no busu e seguimos estrada. Agora a preocupação, onde encontrar Débora. Com alguns minutos, tipo 20 m de estrada, subindo uma serra que não tinha mais tamanho, avistamos uma mancha vermelha de longe, era a camisa de nossa colega. Chegando mais perto avistamos ela com um metro de língua do lado de fora. Pintado abriu a porta do ónibus e eu chamei, "Débora", ela não olhou, chamei de novo, daí ela olhou e continuou a pedalar achando que era uma miragem. Eu disse: ô mulher, acorda, somos nós! ela quase morta, parou, olhou o ônibus todo, e perguntou: como? quando? porque? toda desorientada. Colocamos a bicicleta no bagageiro, e seguimos.
O celular não pegava de forma alguma. Tentamos avisar que estávamos chegando. Já eram 10:00, não chegaríamos a tempo de gravar a cena. Lá por volta das 10:30, conseguimos um sinal (naquele tempo era dose falar em celular) e falamos com Elson, e ele disse que estava caindo um toró em Salvador que as gravações tinham sido suspensas.
Pois então, chegando em Salvador com estes 50 índios no Hotel Pirâmide, no viaduto da Rodoviária, ao descer do ónibus, todos de cocás e toda a indumentária propriamente dita, causou um engarrafamento no viaduto, todo mundo querendo fotografar, até uma batida teve, pequena mas teve. Conduzi a turminha para o lob do hotel e como durante a viagem, todos, num ritual de proteção ou alguma coisa parecida, passaram alho e fumo no corpo todo, imaginem o cheirinho bom que o lob do hotel ficou!
Meu carro estava estacionado na frente do hotel, e como eu sabia que grana de cinema não sai no mesmo dia, eu ia embora, e depois recebia o pagamento. Foi aí que o chefe (Elson) perguntou a minha colega como tinha sido a viagem. Ela falou a vedade pra ele, que o ónibus tinha atolado e ela tinha seguido para buscar um trator e deixou os figurantes no ónibus. Ela teve a melhor das intenções, mas para quem faz cinema e especialmente produção de elenco, sabe que não se deixa figuração e ou elenco sozinho sem produtor (já que eu não era produtor e não tinha experiência nesse assunto), em hipótese alguma.
Daí, ele me chamou e me perguntou o que houve, eu disse que não foi nada, que nós atolamos, e desatolamos o ónibus, e estava tudo bem. Em momento algum entreguei minha colega, primeiro porque não entendia nada de produção, e não sabia que ela não podia se afastar dos figurantes. Elson está vivo e forte para confirmar isso. Ele então pegou um pacote de dinheiro, colocou no meu bolso, e disse: a partir de agora você assume a responsabilidade sobre os índios. Dê café, almoço e janta e cuide para que eles descansem e fiquem todos juntos, para na hora que o diretor chamar para gravar, todos estejam prontos.
Foi aí que tudo começou...
...depois eu conto outro "causo".

Ari Rodrigues
Produtor Cultural

Um comentário:

  1. Ari, tou morrendo de rir até agora. A história tá ótima. Você é um bom escritor. Parabéns.
    Em tempo, o nome do português é Manoel de Oliveira, o mais velho cineasta em atividade no mundo hoje.Procure um link do filme "Palavra e Utopia" e coloque aqui para que o povo conheça. Tchau. Elson

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